No embalo de promessas mirabolantes para conquistar ganho de energia ou benefícios estéticos sem esforço, muita gente tem abusado dos suplementos nutricionais, sem levar em conta os seus riscos ao organismo
O prêmio é tentador: qualidade de vida, longevidade, corpo desenhado, metabolismo perfeito. Para conquistar esse pacote mágico, vale tudo: malhar horas, botar silicone, seguir dietas mirabolantes, fazer plástica... e tomar suplementos. É claro que, corretamente administrados, vitaminas, minerais e outros nutrientes são importantes para a saúde, mas não substituem uma dieta equilibrada. "Hoje, tais suplementos não são consumidos apenas por atletas profissionais, mas também por indivíduos que praticam exercícios com regularidade ou que simplesmente vêem nessas substâncias um jeito fácil e milagroso de manter a forma", observa Camila Prospero, nutricionista e especialista em fisiologia do exercício (SP). "O uso, no entanto, deve ser prescrito por um profissional qualificado, caso contrário pode afetar a saúde". Cyro Masci, médico ortomolecular (SP), concorda: "Essas substâncias complementam a dieta, mas nenhuma pílula pode substituir hábitos saudáveis, como pensamento positivo, atividade física regular ou cardápio equilibrado". Outro problema, segundo o médico, é que os suplementos não levam em conta as necessidades individuais. "Muita gente consome as drágeas como quem toma água, sem nenhum critério, imaginando que eles fazem tão bem quanto os alimentos que são sua fonte - não funciona assim", alerta Masci. Para entender melhor as vantagens e os riscos dos principais suplementos, conversamos com vários especialistas no tema. Acompanhe nossas descobertas:
Os tops em vitaminas e minerais
Ferro (iron ou ferrous, em inglês):
Deve ser administrado em determinados tipos de anemia, o que só pode ser comprovado por exame clínico e laboratorial. "O ferro é um potente oxidante e provoca a formação de radicais livres, que aumentam o desgaste das células e promovem o envelhecimento. Exatamente o inverso do efeito procurado", adverte Hugo Yamashiro, médico ortomolecular especializado em nutrologia (SP).
Vitamina A: "Enquanto o betacaroteno, seu precursor, não oferece risco, mesmo em doses elevadas, a vitamina A, usada sem controle e por longos períodos, pode provocar intoxicação", avisa Cyro Masci.
Vitamina C: parece ser realmente benéfica no aumento da resistência orgânica, mas deve ser ingerida com cuidado por quem tem cálculo renal e gota. Ela também interfere no resultado de alguns exames laboratoriais.
Mix de vitaminas e minerais: "Pode haver interação de substâncias e ingeri-los sem controle inclui o risco de sérias conseqüências, já que nem todas as fórmulas levam em conta tal atividade", observa Cyro Masci. "Cálcio em excesso, por exemplo, diminui a absorção de zinco e magnésio, enquanto zinco tomado isoladamente pode provocar deficiência de cobre. Já para que os bioflavonóides possam atuar apropriadamente, devem ser ingeridos junto com vitamina C", alerta.
Vitamina E: "A ingestão diária durante longos períodos pode inibir as defesas orgânicas, que eliminam radicais livres - ou seja, com o tempo o organismo diminui as próprias defesas", diz Hugo Yamashiro. Outra armadilha está nas letrinhas: se a vitamina está na forma de Alfa-Tocoferol (com OL no final), ok, mas se constar Alfa-Tocoferil (com IL no final), cuidado! "Algumas marcas importadas trazem a vitamina nessa forma: ela é bem mais barata, mas pode ser prejudicial à saúde, se não for administrada de maneira equilibrada com selênio, vitamina C e betacaroteno", afirma Hugo. Ela também é anticoagulante e pode facilitar sangramentos.
Selênio: rico antioxidante, age em sinergia com a vitamina E (a única fonte alimentar natural confiável é a castanha-do-pará, que também contém vitamina E). "Mas, em excesso, o selênio pode provocar a selenose, que dentre outros problemas causa artrite, queda de cabelo e irritação, além de afetar fígado e rins", avisa Cyro Masci.
Linhaça: o óleo da planta contém ômega 3 e a melhor forma de obtê-lo é moendo as sementes ou batendo-as com sucos de frutas. O benefício também pode ser obtido na forma de óleo pronto: já existe no mercado o de linhaça em garrafinhas de 250 ml, bem mais barato que as cápsulas tradicionais.
mais pique e corpo bem definido
Existem no mundo mais de 600 tipos de suplementos para praticantes de atividade física - a maioria sem efeito comprovado cientificamente. A eficiência de alguns produtos também é contestada porque os estudos favoráveis costumam ser patrocinados pelos próprios fabricantes. Alguns são inofensivos, mas outros podem trazer sérios riscos à saúde.
A maltodextrina é um suplemento energético derivado do amido de milho. Contém polímeros de dextrose/glicose de fácil assimilação e lenta metabolização, ajudando a sustentar os níveis de energia durante atividades de longa duração. É um suplemento indicado para praticantes de esportes coletivos ou maratonistas, que precisam manter o estoque de carboidratos durante o esforço, evitando que a energia seja retirada da massa muscular. "O problema é que, usados sem necessidade, isto é, sem o dispêndio de energia decorrente da atividade esportiva, esses produtos engordam", alerta Glauce Lamoglie, nutricionista (SP).
A ingestão de suplementos protéicos à base de albumina da clara de ovo e proteína do soro do leite (whey protein) - que, de acordo com alguns estudos, aumentariam os níveis do antioxidante glutationa, agindo como auxiliares no ganho de peso - deve ser proporcional à ingestão protéica total, o que nem sempre é levado em conta, lembra Glauce Lamoglie. "Uma colher de sopa de albumina equivale a uma clara de ovo, e três claras de ovo preenchem 100% das recomendações dietéticas diárias desses nutrientes. O consumo adicional de suplementos protéicos parece não determinar ganho de massa muscular adicional, nem aumento do desempenho", alerta Glauce. "Esse ganho depende da ingestão de carboidratos e de proteínas após o exercício físico e, embora não tenham sido evidenciados efeitos colaterais graves com o uso desses suplementos, eles causam flatulência e inchaço abdominal", avisa.
A utilização de aminoácidos (precursores de proteína) se baseia na hipótese de que alguns desses suplementos gerariam ganho de massa muscular - é o chamado anabolismo. "O uso dessas substâncias durante o treinamento de força poderia potencializar a síntese dos tecidos, favorecendo maior ganho de massa magra e de força", explica Camila Prospero. "O problema é que muitos usuários não levam em conta dois aspectos: que nossas necessidades protéicas são supridas, antes de tudo, por uma alimentação equilibrada e que, para se estabelecer o valor correto da suplementação protéica, é necessário considerar as características individuais, como sexo, idade, peso, altura e a atividade física praticada", observa Camila.
Os suplementos com proteína isolada da soja têm seus efeitos muito discutidos no meio científico. Alguns estudos mostraram que a soja auxilia na redução do colesterol e triglicérides, bem como no risco de doenças cardíacas e osteoporose, além de apressar a recuperação muscular após os treinos. "Esses dados, no entanto, não são conclusivos ainda", diz Glauce Lamoglie. Além disso, sabe-se que a proteína da soja é de difícil digestão, compromete a absorção de aminoácidos e pode prejudicar a produção de certas substâncias pelo organismo, como os neurotransmissores, causando desde flatulência e cefaléia até depressão, fibromialgia e crises de ansiedade, avisa Alexandre Feldman, clínico geral e membro da American Headache Society. Esses efeitos nocivos não ocorrem com produtos fermentados de soja, como, por exemplo, o missô.
Estudos mostram que a complementação com HMB (beta-hidroxi-beta-metilbutirato) ajuda a preservar o estoque de aminoácidos e retém nitrogênio no músculo, contribuindo para o ganho de massa magra, a queima de gordura e o aumento da recuperação pós-exercícios. Mas ainda faltam mais estudos que comprovem essa eficácia. "Alguns resultados indicam que a suplementação com dose de 1,5 g a 3 g/dia de HMB pode incrementar o ganho de massa magra em jovens antes destreinados", explica a nutricionista Camila Prospero. De acordo com ela, até o momento não se constatou efeito adverso dessa suplementação por sete semanas, mas outros estudos devem ser realizados em humanos para definir dosagens, tempo de uso e benefícios.
Quando consumidos por mais de duas semanas, suplementos dos aminoácidos leucina, isoleucina e valina podem estimular a tolerância ao esforço físico prolongado. "Em alguns casos, entretanto, seus benefícios são comparáveis aos da suplementação com carboidrato", observa Glauce Lamoglie. "Ou seja: ambos conseguiram retardar a fadiga central em níveis semelhantes em provas com mais de duas horas, como maratona e triatlo". Em conseqüência de relatos inconclusivos em alguns estudos, porém, a Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte não recomenda seu uso com finalidade ergogênica (para aumento da performance).
Encontrado na carne, em produtos lácteos e em outros alimentos de origem animal, o aminoácido L-carnitina produz energia e por isso é indicado para atletas vegetarianos. "Embora os estudos não sejam ainda conclusivos, acredita-se que sua suplementação aumente o metabolismo de gordura e a performance, além de prevenir a fraqueza muscular e a fadiga", destaca Camila Prospero. "Já os benefícios em pacientes com doenças cardíacas, que tiveram infarto ou angina, estão bem esclarecidos na literatura". Não há evidências científicas quanto aos danos à saúde, mas, como todo suplemento, a Carnitina deve ser ingerida sob orientação médica. A Gerência de Inspeção e Controle de Riscos de Alimentos esclarece que os aminoácidos isolados L-carnitina, creatina, arginina, glutamina, ornitina, beta-hidroxibeta- metilbutirato devem ser utilizados sob prescrição médica.
em vez de suprir, eliminar
Denominados de suplementos termogênicos, eles prometem queimar calorias através da elevação da temperatura corporal. São os preferidos de quem acredita no milagre de emagrecer fácil e rápido, sem reeducação alimentar. "Seu uso pode ser perigoso, já que na composição quase sempre entra efedrina ou sinefrina, acompanhada por cafeína, guaraná entre outros", alerta Glauce Lamoglie de Carvalho, especialista em atendimento multidisciplinar a adolescentes. Embora derivadas de uma planta (por isso, consideradas inofensivas pelos usuários), ambas provocam a contração dos vasos sangüíneos, tornando mais difícil a dissipação do calor corporal. "Em casos extremos, e em especial quando a efedrina é utilizada junto com a cafeína, o estreitamento vascular é tão severo que o calor fica aprisionado, elevando tanto a temperatura corporal interna que os principais órgãos começam a falhar", explica Glauce. Ela afirma que produtos à base de efedrina são vendidos com rótulos que sugerem efeitos como euforia, ampliação das sensações sexuais (increased sexual sensations) e aumento de energia, entre outros. "São especialmente perigosos para gestantes, lactantes, cardíacos, pessoas com distúrbios na tireóide, com diabetes mellitus, hipertensão arterial, glaucoma e doenças de próstata", diz a nutricionista. Outro suplemento termogênico muito utilizado para a queima de gordura é o CLA (Conjugated Linoleic Acid) ou ácido linoléico conjugado, nutriente derivado da gordura presente em nossa alimentação diária, principalmente na carne bovina e de aves, ovos, leite e derivados. "O principal questionamento sobre a sua utilização em humanos é seu real efeito na diminuição do percentual de gordura corporal", diz Camila Prospero. "A maior parte dos estudos foi realizada em ratos, mostrou bons resultados, mas a ação em seres humanos deixou a desejar". Segundo Camila, a ingestão proposta na maioria dos estudos foi de 4 g em cápsulas, mas não houve redução significativa na massa de gordura corporal. "Relatos mostram que uma dose acima de 2 g/dia pode causar náuseas e, pelo menos dez pesquisas, apontaram que uma dosagem diária de até 6 g poderia gerar resistência à insulina, o que em longo prazo causaria diabetes", avisa. (No Brasil, o uso do CLA não foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.) Pensar que em tais produtos se encontra a solução dos problemas com a balança é uma ilusão, garante a nutricionista. "Essas substâncias inibem a absorção de gordura pelo organismo, o que não é o mesmo que queimar a gordura existente. Isoladamente, essas fórmulas não cumprem o que prometem: é preciso combinálas com atividade física e orientação nutricional - sempre a cargo de um profissional de saúde".
Nenhum comentário:
Postar um comentário